28.7.05

 

+ Em Memória de José Pedro Machado (1914-2005) +

Há cerca de dois meses, coloquei aqui um texto de louvor ao ilustre filólogo português, José Pedro Machado. Nele pugnava pela sua condecoração no 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades.

Apresentei para tal algumas razões, mais que suficientes, a meu ver, que evidenciavam o seu mérito intelectual, moral e cívico, verdadeiramente invulgares, em qualquer época considerada.
Infelizmente, a oportunidade não foi aproveitada pelas entidades competentes e agora já só poderá sê-lo a título póstumo.

José Pedro Machado faleceu subitamente, na passada 3ª feira, dia 26 de Julho, de manhã, quando se preparava para sair de casa, para a compra habitual do seu jornal diário.

Desapareceu um grande homem, de alta estatura moral, intelectual e cívica, numa era tão escassa de valores humanos, em Portugal e no Mundo. Fica a sua obra, vasta e valiosa, e, sobretudo, o seu subido exemplo de cidadão íntegro, estudioso das coisas pátrias, amigo da sua terra natal, do seu país, que destacadamente honrou, como um nobre patriota, útil servidor da Comunidade em que viveu.

À família enlutada, endereço as minhas sentidas condolências.

À sua grata memória, deixo o texto abaixo, que irei enviar também a alguns órgãos da Comunicação Social, na esperança de que um deles, pelo menos, seja capaz de lhe dar merecida divulgação, para conhecimento, sobretudo, das actuais jovens gerações, para que busquem no seu exemplo inspiração e ânimo para vencerem as descrenças e as dificuldades presentes, para que arranquem Portugal do pessimismo, da incompetência e da corrupção, autênticos monstros horrendos do nosso actual infortúnio colectivo, óbices a qualquer caminho de progresso.

AV_Lisboa, 28 de Julho de 2005
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Em Memória de José Pedro Machado
( N. em Faro a 08-11-1914 – F. em Lisboa a 26-07-2005 )

- Breve nota biográfica

José Pedro Machado nasceu no Algarve, na cidade de Faro, a 8 de Novembro de 1914. Veio ainda criança para Lisboa, acompanhando a deslocação do pai, militar da Marinha de Guerra Portuguesa. Aqui viveu a quase totalidade da sua existência, como filho adoptivo e dedicado da cidade, sem nunca esquecer, todavia, a sua amorosa província natal, à qual prodigalizou sobejas provas de carinho e devoção, de resto, profusamente correspondidas.

Habitou primeiro na zona de Alcântara - Santo Amaro, na Rua Bocage, actual Rua Amadeu de Sousa Cardoso, perto da Rua Luís de Camões, facto curioso, não despiciendo, como se verá adiante, quando se fizer referência às suas áreas predilectas de investigação filológica e literária.

Morou também na Lapa, na Rua S. Francisco de Borja, durante alguns anos, até se fixar mais tarde na encosta de uma das mais típicas e encantadoras colinas de Lisboa, junto à Graça, na Rua Leite de Vasconcelos, outro nome famoso e influente na sua vida profissional e académica.

Frequentou os Liceus Pedro Nunes, Passos Manuel e D. João de Castro, estabelecimentos de ensino de notáveis pergaminhos, na formação de gerações e gerações de portugueses, em que contactou com alguns excelentes Professores, que cedo lhe despertaram qualidades e vocações invulgares, proporcionando-lhe valiosa preparação para a entrada na Universidade.

De entre esses Mestres, deve salientar-se o nome do Professor Marques Braga, a quem JPM, ao longo da vida e em vários escritos seus, se há-de sempre referir com elevada estima e gratidão, pela benéfica influência que exerceu na sua futura vida profissional e académica.

Estudou depois na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde se licenciou, em Filologia Românica, em 1938, com altas classificações, tendo logo revelado clara vocação de Filólogo, nas primeiras investigações aí desenvolvidas.

Em particular, essa vocação focalizou-se no estudo do Árabe, em que foi discípulo dilecto do insigne Mestre David Lopes, Professor que, na Universidade Portuguesa, se notabilizou como pioneiro e grande impulsionador dos estudos da Língua e Cultura Árabes. A tese de licenciatura de JPM – Comentários a Alguns Arabismos do Dicionário de Nascentes – incidiu, aliás, nesse tema, ainda hoje pouco cultivado em Portugal.

Destinava-se, como tudo indicava, a uma promissora carreira universitária, quando se iniciou como Assistente, na sua Faculdade de Letras, tendo chegado a estar nomeado, por parecer de dois dos mais ilustres Professores da Faculdade, David Lopes e Leite de Vasconcelos, para Leitor de Português, na Universidade de Argel, onde certamente aprofundaria – ainda mais – o seu gosto e o seu conhecimento da Língua e Cultura Árabes.Desafortunadamente, o desencadear da Segunda Guerra Mundial, nos primeiros dias de Setembro de 1939, acabaria por impossibilitar tão justificada nomeação.

Foi também naquela Faculdade que conheceu a que viria a ser sua mulher, a Professora Doutora Elza Paxeco, com ele co-autora da muito citada edição comentada do Cancioneiro da Biblioteca Nacional, antigo Colocci-Brancuti e, ela própria, pessoa de notável capacidade intelectual, tendo sido a primeira senhora doutorada em Letras pela Universidade de Lisboa (1938) e autora de diversos trabalhos de investigação que lhe granjearam igualmente merecida reputação.

Foi afastada da Universidade, em consequência de rivalidades, invejas e intrigas, conhecidas maleitas, mesquinhas mas deletérias, que costumam assolar os agitados bastidores universitários, comprovado mal de todos os tempos e de todas as Academias.

Algo de grave se terá então passado, para ter levado Pedro Machado, em solidariedade, a demitir-se das suas funções de Assistente e, em alternativa, a ter preferido um lugar mais modesto, mas mais seguro, de Professor Efectivo do Ensino Secundário, naqueles espartanos tempos do começo da Segunda Guerra Mundial.

Assim a Universidade Portuguesa se privou de uma alta e certa vocação de investigador, designadamente, nas áreas da Filologia, da Literatura e da História, áreas em que, não obstante, ao longo da sua dilatada vida, Pedro Machado muito trabalhou, em condições menos adequadas, é certo, mas sempre com bons resultados, tanto mais brilhantes, quanto mais precárias ou menos favoráveis as condições de trabalho se lhe apresentaram.

Logo que licenciado, começou José Pedro Machado a colaborar em revistas especializadas de Filologia, a convite de Mestres que lhe reconheciam a capacidade intelectual, a cuidada preparação e a integridade de carácter, condições difíceis de encontrar reunidas, em plano elevado, em qualquer comum mortal, em qualquer época.

Na década de 40, escreve e edita vários volumes dedicados ao estudo da Língua Portuguesa, mas é em 1952 que surge a sua primeira grande obra, de autêntico Filólogo, o Dicionário Etimológico da LP, hoje com cinco volumes, que tem conhecido várias reedições, confirmando o interesse do vasto público por tema pouco estudado entre nós. Basta assinalar que, desde essa data, embora não sendo um trabalho perfeitíssimo, como há quem aponte, ainda nenhum outro português ousou publicar livro idêntico, ao contrário do que tem sucedido com os tradicionais dicionários generalistas da Língua Portuguesa.

No Brasil, foram também raros os que se aventuraram a tal empreendimento, embora, neste domínio, se deva reconhecer o grande mérito do trabalho pioneiro de Antenor Nascentes, de que Pedro Machado largamente aproveitou, no convívio intelectual e pessoal que com ele manteve ao longo da vida.

Em complemento ao Dicionário Etimológico de José Pedro Machado, deve citar-se o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, em três volumes, obra importante, num campo em que, analogamente, não tem havido emulação entre nós.

Trata-se de um tipo de obras que exige longa e esmerada preparação, em várias disciplinas complementares do saber filológico, da Língua à História, à Literatura, à Geografia, à Antropologia, etc., a par de uma fina perspicácia intelectual, capaz de desenredar termos e conceitos, por regra, envoltos em polémicas ou disputas, em que se ganham ou destroem reputações.

Lexicógrafo de largo fôlego, José Pedro Machado elaborou ou coordenou, ao longo de décadas, muitos Dicionários afamados da Língua Portuguesa, desde o mui conceituado Morais, um dos primeiros dicionários da Língua Portuguesa, continuamente actualizado desde 1789, da autoria de um brasileiro, António de Morais Silva, bacharel em Direito, pela Universidade de Coimbra, até ao Grande Dicionário da Sociedade da Língua Portuguesa, numa prova cabal da sua competência, sempre exercida com inquebrantável dedicação, arrostando com carências, dificuldades e até incompreensões diversas.

Outro notável trabalho seu veio a ser a tradução directa do Árabe, para a nossa Língua, do livro sagrado dos muçulmanos, o Alcorão, cujas profusas e minuciosas notas, pejadas de esclarecimentos, no domínio da História, da Língua, da Geografia e até da Religião, enriqueceram extraordinariamente a obra, inserindo-a no seu contexto cultural e histórico, para bem se compreenderem o seu significado e a sua importância.

Nestas obras mais significativas da sua larga produção intelectual está bem patente toda a sua vasta e sólida formação, todo o seu ânimo empreendedor, que o levaram a meter ombros a trabalhos espinhosos, exigentes, arrojados e, invariavelmente, de escassa publicidade e diminuto prémio material.

Mencione-se também a sua continuada ligação à Livraria Portugal, por via da sua íntima amizade com um dos antigos proprietários e fundadores, Henrique Pinto, já falecido, igualmente espírito empreendedor, com apurado sentido cultural, no exercício da sua nobre função de livreiro, comprovado até na forma como soube atrair e conservar a cooperação de Pedro Machado no prestimoso Boletim dos Serviços Bibliográficos da Livraria, a que ele galhardamente emprestou toda a pujança do seu saber, numa escrita sóbria, mas rigorosa, elegante, na sua aparente simplicidade, cumprida com escrupulosa regularidade.

Aqui, mensalmente, desde a década de 50 do século passado, Pedro Machado publicava artigos de oportuna intervenção cultural, sobre múltiplos temas da Cultura Portuguesa, sobretudo, que, depois, a Livraria, fundada em 1941, reunia e editava em livro, com o título de «Factos, Pessoas e Livros», ao fim de cada década, nos aniversários da Empresa.

Estão assim publicados 4 volumes, que cobrem aquela colaboração até ao fim de 1990, tendo o 4º volume saído em 1991, na comemoração do cinquentenário da Livraria, aguardando-se o seu 5º e último volume, que se encontra preparado para ser editado, com os artigos elaborados desde 1991 até ao presente.

Hábito muito antigo de Pedro Machado foi também o de escrever na imprensa nacional e regional, nomeadamente no Diário de Lisboa, Diário Popular, A Capital, no Jornal de Sintra, no Correio do Sul, n‘O Algarve, no Jornal do Fundão, no Diário de Notícias, onde, aliás, manteve, durante anos sucessivos, na década de 90, uma coluna dedicada a questões da Língua Portuguesa, verdadeiro oásis no deserto de esquecimento a que este tema tem sido votado nos principais órgãos de Comunicação Social, nos últimos decénios.

Desavisadamente, deixou o Diário de Notícias extinguir aquele potente farol cultural, que derramava a luz do seu imenso saber, numa tribuna sempre muito procurada, com um enorme volume de correspondência, prova irrefutável do interesse que a sua coluna despertava nos muitos leitores do jornal.

Colaborou também com o eminente filólogo, Padre Raul Machado, na preparação das suas populares Charlas Linguísticas, transmitidas pela Radio-Televisão Portuguesa (1960), que a Sociedade da Língua Portuguesa posteriormente reuniu e editou em livro com as lições aí expendidas.

Analogamente, escreveu em revistas nacionais e estrangeiras, como o Bulletin Hispanique ( Bordéus ), a Revista Filológica do Rio de Janeiro, o Boletim de Filologia de Lisboa, a Revista de Portugal, a revista Ocidente, o Boletim Mensal da Sociedade da Língua Portuguesa, a revista Língua e Cultura da mesma Sociedade, etc.

Sem pretender carregar esta breve nota biográfica, citarei ainda a participação de José Pedro Machado em obras colectivas de forte impacte cultural, como a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, o Dicionário de História de Portugal, dirigido por Joel Serrão, a sua colaboração com a Comissão Científica da Academia das Ciências de Lisboa para o Acordo Ortográfico Luso-Brasileiro de 1945.

Citaremos igualmente a enorme simpatia e o elevado apreço com que os estudiosos brasileiros da Língua Portuguesa sempre se referiam a José Pedro Machado, como pessoalmente pôde verificar o Professor Joaquim Veríssimo Serrão, Presidente da Academia Portuguesa da História, quando com ele viajou, em Agosto de 1959, até Salvador da Baía, no Brasil, onde se realizou o IV Encontro Internacional de Estudos Luso-Brasileiros.

No volume recentemente editado por aquela Academia, por ocasião da homenagem que, em sessão especial, a 17 de Novembro de 2004, lhe prestaram, na passagem do seu 90º aniversário, foram reunidos diversos trabalhos em homenagem a José Pedro Machado. Num deles, em comovido e comovente texto, Veríssimo Serrão relata, com pormenor e genuína afeição, vários episódios do seu convívio com JPM, como igualmente atesta as numerosas provas de carinho que lhe foram prodigamente manifestadas pelos seus pares brasileiros.

Em texto do próprio José Pedro Machado, num livro intitulado «Ensaios Literários e Linguísticos», publicado em 1995, pela Editorial Notícias, ficou, aliás, bem assinalada, em particular, a grande amizade que o unia ao Mestre brasileiro, Antenor Nascentes, Professor ilustre, profundo conhecedor da Língua Portuguesa e autor também de um notável Dicionário Etimológico, no qual JPM se inspirou e de cujo estudo fecundo muito beneficiou para posteriormente elaborar o seu.

Na sessão especial referida, no final de 2004, a Academia Portuguesa da História decidiu elevar José Pedro Machado à categoria de Académico de Mérito daquela Instituição, após ter sido sucessivamente seu Sócio Correspondente e Académico de Número, distinguindo desta forma a sua prolífica e valiosa colaboração, nas diversas actividades em que estatutariamente participou.

Já antes, em 1999, esta prestigiosa Academia tinha proposto, ao então Ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, a atribuição de uma medalha de Mérito Cultural a JPM, que aquele favoravelmente despachou. Era José Pedro Machado também possuidor de uma Comenda da Ordem da Instrução Pública, outorgada em 1996.

Tendo sido membro de várias Instituições Culturais, como adiante se indicará em sucinto currículo que se agrega, possuia José Pedro Machado mais algumas distinções, mas ficou por prestar-lhe a mais significativa de todas, a da sua condecoração pública, no 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões, e das Comunidades, entidades a que ele tanto trabalho e saber dedicou ao longo da sua extensa e multi-facetada vida. Camões e Portugal são temas predilectos, constantemente honrados na produção literária de José Pedro Machado.

Na verdade, o seu nome, ao lado dos já consagrados nesta data, nestes últimos 31 anos de Liberdade e Democracia, ressalta como uma evidência da justiça que ficou por fazer-lhe em vida.
Cumpre reparar, ainda que a título póstumo, esta lamentável falta do Portugal democrático, para com quem sempre o serviu com elevação, competência e dignidade, no Espírito, como na Ética, num comportamento cívico a todos os títulos irrepreensível.

Quero acreditar que ainda seja possível corrigi-la.

Honremos, nessa imperiosa correcção, a digna memória de José Pedro Machado.
Um seu antigo aluno, amigo de sempre, profundamente grato do seu frutuoso magistério e do seu amável convívio.

AV_Lisboa, 28 de Julho de 2005

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Currículo e Bibliografia abreviados do Dr. José Pedro Machado

Currículo :

Licenciatura em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em 1938.
Curso de Ciências Pedagógicas, pela Universidade de Coimbra, em 1940.
Assistente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Professor Efectivo do Ensino Técnico Secundário, na Escola Industrial Afonso Domingues, mais tarde Escola Secundária Afonso Domingues.
Director em exercício da Escola Industrial Afonso Domingues.
Membro das seguintes Agremiações Culturais :
Academia Portuguesa da História,
Sociedade Euclides da Cunha ( Paraná )
Instituto Histórico e Geográfico de S. Paulo.
Academia Brasileira de Filologia.
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Academia Nacional de la Historia ( Venezuela ).
Real Academia de la Historia ( Espanha ).
Academia Real Sueca de Belas-Artes, História e Antiguidades.
Academia de Marinha ( Lisboa ).
Sócio de Honra da Sociedade da Língua Portuguesa

Bibliografia :

Alguns Vocábulos de Origem Arábica, 1939.
Contemplação de S. Bernardo Segundo as Sei9s Horas Canónicas do Dia ( Texto do séc. XV.
Comentários a Alguns Arabismos do Dicionário de Nascentes, 1940.
Curiosidades Filológicas, 1940.
Sintra Muçulmana, 1940
Évora Muçulmana, 1940
Gonçalves Viana, 1940.
O Português do Brasil, 1942
Elementos Hispânicos do Vocabulário Latino, 1943.
Descobrimentos Portugueses, colaboração na monumental edição do Dr. João Martins da Silva Marques, seu Professor na Universidade, 1944.
As Origens do Português, 1945.
Breve História da Linguística, 1945.
Origem da Língua Portuguesa de Duarte Nunes de Leão, 1945.
Bases da Nova Ortografia, 1946.
Cancioneiro de Évora, 1951
Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 1952.
Os Estudos Arábicos em Portugal, 1954.
Gramática da Língua Portuguesa de João de Barros, 1957.
Influência Arábica no Vocabulário Português, 1958.
Dicionário do Estudante, 1960.
Os Mais Antigos Arabismos da Língua Portuguesa, 1961.
Notas de Toponímia Portuguesa, 1962
Notas Etimológicas, 1963.
Edição Comentada do Cancioneiro da Biblioteca Nacional, em parceria com Elza Paxeco, 1947-1964.
Nótulas de Sintaxe Portuguesa, 1965
Elementos Arábicos no Vocabulário Técnico dos « Colóquios» de Garcia d’Orta, 1963.
Topónimos Estrangeiros em Fernão Lopes, 1967
Acerca do Nome Árabe de Lisboa em colaboração com Elza Paxeco, 1968.
A Viagem de Vasco da Gama, de parceria com Viriato Campos, 1968.
Tradução directa do Árabe do Alcorão, edição crítica, profusamente anotada e comentada, 1970.
Ensaio sobre Faro no Tempo dos Mouros, 1971.
Dicionários – Alguns dos seus Problemas, 1971.
Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 1981.
Notas Camonianas, 1982
Grande Dicionário da Língua Portuguesa, 1984
Pessoas, Factos e Livros, 4 volumes, colectânea de artigos publicados no Boletim dos Serviços Bibliográficos da Livraria Portugal, desde 1953 a 1990. Aguarda-se a publicação do 5º volume, contendo os artigos elaborados de 1991 até à actualidade.
Vocabulário Português de Origem Árabe, 1993.
Ensaios Arábico-Portugueses, 1994
Ensaios Literários e Linguísticos, 1995.
Palavras a Propósito de Palavras – Notas Lexicais, 1995.
Estrangeirismos na Língua Portuguesa, 1996.
Ensaios Histórico-Linguísticos, 1996.
O Grande Livro dos Provérbios, 1998.
Breve Dicionário Enciclopédico da Língua Portuguesa, 1999.
Grande Vocabulário da Língua Portuguesa, 2000

12.7.05

 

Um Conflito de Tipo Novo

O recente atentado de Londres obriga-nos mais uma vez a tecer múltiplos comentários acerca do seu significado e das supostas adequadas maneiras de lidar com o fenómeno do «terrorismo islâmico».

Desde logo, há quem conteste a expressão «terrorismo islâmico», na tentativa de salvaguardar uma crença religiosa da conotação nociva do terrorismo.

Invocam alguns estudiosos do islamismo a sua putativa mensagem pacifista e convivencial, para imputar o terror a grupos de extremistas,fundamentalistas, ainda que de motivação religiosa islâmica, mas degenerados, na apologia da violência em que reiteradamente insistem.

Porém, o pacifismo e a tolerância do Islão são coisas difíceis de lobrigar, de qualquer ângulo em que nos coloquemos, quer nos países islâmicos, quer fora deles, nos diversos sítios onde se têm estabelecido comunidades islâmicas. Com efeito, raramente se encontra, no mundo islâmico, condenação clara, prontamente emitida, dos actos de terrorismo cometidos por elementos de crença muçulmana.

Pelo contrário, muitas vezes assiste-se a uma tentavia de abordagem dos factores explicativos da sua ocorrência, na prática, desresponsabilizante ou grandemente atenuadora da condenação que deveria surgir firme, inequívoca.

Em todo o mundo muçulmano, com algumas variações de intensidade, o ambiente cultural que se respira é muito diverso daquele que no ocidente estamos habituados a identificar como típico de sociedades modernas, tolerantes e convivenciais.

Acresce que o facto de o poder espiritual no Islão viver entrelaçado com o temporal dificulta extraordinariamente o processo de modernização das suas sociedades. Note-se que tal facto, no Ocidente, começou a desaparecer ainda na Alta Idade Média.

Não obstante, o pensamento ocidental «politicamente correcto» teme fazer comparações e muito menos, com base nelas, estabelecer diferenciações qualitativas, na presunção de que assim promoverá a harmonia e o entendimento entre as diversas culturas ou civilizações.

A confusão intelectual que este tipo de pensamento origina é hoje responsável por uma série de equívocos que obnubilam o espírito de muita gente em todo mundo, de tal forma que uma catadupa de preconceitos se tem acumulado na chamada mentalidade moderna ocidental.

A evidente superioridade científica do «mundo ocidental», passe a imprecisão da designação, talvez fosse mais apropriada a de mundo ou mentalidade euro-americano(a), tem levado os seus membros a descurar a defesa da base cultural e espiritual dessa superioridade e, em correspondência, a abandonar o propósito combativo que aqueles antes revelaram, quando se tratou de a atingir.

Desde o Renascimento que a mentalidade ocidental, influenciada pelo espírito científico nascente, emergiu e se impôs por todo o mundo, forjando sociedades mais habilitadas na produção de instrumentos científicos e tecnológicos que continuamente reforçaram esse mesmo domínio.

Em consequência, acabou por desenvolver-se no Ocidente uma mentalidade aberta à inovação, que se tem habituado a conviver com as diferenças, criando por isso sociedades com maior abundância de bens materiais e culturais, nas quais existe uma relativa tolerância cultural, moral e espiritual que permite a convivência pacífica das diversas sensibilidades presentes.

Afirmar isto parece-me um truísmo, sem sentimentos de desafeição por ninguém. Trata-se de uma mera verificação da realidade. Foi assim que se deu, pela evolução conhecida dos factos históricos.

Os membros destas sociedades mais tolerantes, progressivas, modernas, os ocidentais euro-americanos, foram agindo progressivamente neglicenciando a base de valores que lhes permitiu alcançar uma situação vantajosa no confronto, nem sempre pacífico, por vezes mesmo conflituoso, com outras civilizações geradoras de diferentes modos de vida e de mentalidade.

Deram por adquiridas coisas que estão longe de o ser, justamente porque contestadas pelos que da sua feitura não participaram ou até a ela se opuseram.

O aparecimento fulgurante, na cena internacional, do fundamentalismo islâmico, com a revolução iraniana, em 1979, saudada equivocadamente por alguns no Ocidente, pensando tratar-se de uma libertação popular da ditadura do Xá Reza Pahlevi, veio incomodar uma certa modorra em que o mundo ocidental havia caído. Esta quebra de combatividade agravar-se-ia ainda com a surpreendente facilidade com que ele viu ruir o mundo comunista em 1989 e anos seguintes.

Todavia, nenhuma civilização é eterna, estando sempre sujeita a degradações ou degenerações, por acção agressiva externa ou por simples incúria interna dos seus próprios membros.

Desaparecida a emulação comunista, eis que surgiu outra, menos consistente, do ponto de vista ideológico, menos atraente para os ocidentais, mas mais letal, porque desesperada nos seus propósitos violentos, potenciados pelo fanatismo religioso, que fomenta o martírio glorificador dos seus prosélitos.

Esta outra emulação, assente agora no fundamentalismo islâmico agressivo, representa um perigo de tipo novo, constituindo fenómeno que alguns demoram em identificar e em perceber, tal como se passou com muitos bons democratas relativamente ao vírus do nazismo, nas décadas 20/30 do século passado.

Por falta de compreensão oportuna do fenómeno, por parte das democracias europeias, houve que travar uma guerra feroz contra a loucura nazi, na Europa, e contra o fanatismo expansionista nipónico, na Ásia, em ambas as frentes, todavia, com a ajuda decisiva dos Americanos, que transformaram depois em protagonismo político o sangue vertido nas praias, planícies e matas europeias e nas muitas ilhas do Pacífico em que se enfrentaram com inimigos fortes e determinados, dispostos a lutar até à morte, às vezes pela posse de minúsculos territórios.

Radica aqui, a meu ver, a preponderância política actual dos Americanos, em tudo o que respeita à Comunidade Internacional. Convém ter isto presente quando se critica, às vezes com inteira razão, note-se, os Americanos, pese, contudo, a conta em que se tenha a categoria da sua orientação presente.

O facto de os EUA terem vindo à Europa combater pela sobrevivência dos regimes democráticos, nos dois magnos conflitos do século xx, deu-lhes, obviamente, uma legitimidade natural na discussão da política internacional, nos anos sequentes à segunda guerra mundial e tão bem a aproveitaram que, ainda hoje, intervêm na política europeia, incluindo pela via militar, como se verificou na Guerra da Jugoslávia, em 1999.

Nisto agem como assumida Superpotência, quase indisputada nos tempos actuais, como sempre fizeram os passados impérios, quando a oportunidade de domínio de extensos territórios se lhes apresentou.

Cabe aos seus interlocutores, União Europeia, Rússia e China, principalmente, levá-los, aos EUA, a conter a sua ambição dentro de moldes razoáveis, sem abusar das suas prerrogativas actuais de superpotência de recorte majestático.

A busca de uma ordem internacional justa, equilibrada e segura implica o respeito pelos direitos e aspirações de cada um dos membros da alargada Comunidade Internacional, sem abusos, nem caprichos, ditados pelos interesses dos mais fortes.

O actual ambiente mundial, fortemente perturbado por intervenções militares contestadas, sob chantagens várias, permanentes, designadamente, com o aumento constante do preço do petróleo, torna bastante difícil o combate ao terrorismo político, sobretudo, quando este retira a sua força de uma funda motivação religiosa.

No presente, o Islão vive convulsionado pela proliferação de seitas religiosas fundamentalistas, que recrutam voluntários por toda a parte, até no seio do seu visado inimigo, capazes de realizar actos de alto poder destrutivo, como já o demonstraram à saciedade, para convencimento dos mais ingénuos.

Pode muito bem dizer-se que o islamismo fundamentalista representa, na actualidade, para o ocidente de base cultural cristã, um inimigo, um perigo de tipo novo, animado de uma volição combativa, de uma forma como antes raras vezes se mostrou, talvez só nos primórdios da sua expansão, para fora da Península Arábica, no distantes séculos VII e VIII. Quem se recusar a reconhecer isto, hoje, vive fora do mundo real e nunca compreenderá a natureza do conflito em que está mergulhado.

Todo o mundo muçulmano vive actualmente imerso numa mentalidade, que nós outros podemos classificar de obscurantista, muito distante da que prevalece no Ocidente, eivada de sentimentos de inveja, recriminação e ódio, concretizando tais sentimentos, sempre que encontra uma brecha na parede de segurança com que a mentalidade ocidental se pretende proteger.

Neste enquadramento moral, espiritual e cultural, é muito árduo, se não mesmo impossível, imprimir qualquer evolução positiva no Islão. Se este não se libertar das peias espirituais que o tolhem há séculos, não se vê como se há-de com ele viver em harmonia. Se o Islão continuar a consentir, nas suas sociedades, a promiscuidade entre a esfera civil e a religiosa, dificilmente se libertará do ciclo decadente em que há muito caiu.

Por outro lado, se o ocidente de fundo cultural cristão persistir, na sua falta de visão, na apreciação dos conflitos actuais, em especial com o Islão, pode vir a comprometer gravemente o futuro da própria civilização, sem mais.

A luta contra o terrorismo islâmico está para durar e a mera superioridade científica, tecnológica e até moral não garantem vitória nenhuma. Não seria a primeira vez na História que um tipo de civilização considerada mais avançada sucumbiria perante outra muito menos apetrechada, mas animada de uma força espiritual superior, inquebrantável.

O Ocidente tem dado mostra de enorme cegueira, por um lado e de franca tibieza, por outro, na luta que o Islão lhe vem inflingindo. Um feixe de preconceitos o tem inibido de adoptar comportamentos e atitudes correctos, ajustados, perante a ameaça de feição terrorista que os fundamentalistas islâmicos sobre ele têm feito cair.

Problemas como a baixa taxa de natalidade das nações europeias, a concessão indiscriminada, durante largo tempo, da nacionalidade a populações exógenas, sem nenhum desejo de aproximação cultural com as comunidades de acolhimento, a incapacidade de os actuais sistemas de ensino continuarem a formar cidadãos com identidade definida, etc., etc., conduzem à formação, dentro do mesmo espaço físico, de autênticas nações antagónicas entre si, sem sentido de pertença comum a uma cultura ou a um ideário, sem sentimentos de solidariedade, elementos que tradicionalmente enformaram as primitivas nações europeias.

Todos estes factores de perturbação geram o caldo cultural propício à explosão de futuros conflitos permanentes e insanáveis, que as diferentes taxas de natalidade das comunidades envolvidas acabarão por precipitar, se não houver, por parte dos responsáveis europeus, prevenção avisada dos perigos que sobre as suas sociedades impendem, quais espadas de Dâmocles às suas cabeças apontadas.

Agir num quadro tão perigosamente delicado exige clarividência de espírito e forte determinação na acção, duas características que se tornaram escassas nas nossas comunidades europeias, na sua maioria, entregues a lideranças frágeis, falhas de visão e de carácter, muito longe do nível das conhecidas logo a seguir à Segunda Guerra Mundial e que estiveram na base da criação da actual União Europeia.

O futuro mostra-se, por conseguinte, deveras problemático e nos anos mais próximos irão certamente passar-se factos importantes, decisivos, para o êxito da convivência harmoniosa entre as diversas comunidades que vivem no seio da União Europeia.

Oxalá venhamos a estar todos à altura dos desafios que então se hão-de colocar, em primeiro lugar, os nossos putativos mais altos representantes políticos. Da sua capacidade de enfrentar as situações complexas que a actual conjuntura estará a incubar depende o futuro da política convivencial da nossa almejada União Europeia.

Voltaremos certamente ao assunto.

Spes ultima dea / A esperança é a última deusa.

Spes vitae cum sole redit / A esperança da vida renasce com o sol.


AV_Lisboa, 12 de Julho de 2005

5.7.05

 

A Dificuldade do Regresso

Tem-me sido difícil voltar à anterior regularidade, apesar da minha forte vontade. Contrariedades de diversa ordem de tal me têm impedido. Mas aqui ficam a promessa e o compromisso de a ela regressar muito brevemente. Assuntos, temas e causas motivadoras de debate e reflexão não faltam. Apenas a oportunidade de sobre eles exercer uma serena meditação.

De novo então, até breve !

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